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23 de Abril de 2024

Tema 1209 STF - Min. Luiz Fux entende que STF deve dar a palavra final nos processos dos Vigilantes.

Veja o Voto na íntegra. Reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da Emenda Constitucional 103/2019.

Publicado por Denis Lollobrigida
há 2 anos


Veja o Voto na íntegra:


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. ESPECIALIDADE DA ATIVIDADE DE VIGILANTE. PERICULOSIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019 (REFORMA DA PREVIDÊNCIA). MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. PAPEL UNIFORMIZADOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A TODOS OS PROCESSOS, INDIVIDUAIS OU COLETIVOS, EM QUALQUER FASE E EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL, QUE VERSEM SOBRE O TEMA. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
MANIFESTAÇÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional Do Seguro Social - INSS, com arrimo na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.830.508, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.031 do STJ), que assentou:
I. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMÁTICA DE RECURSOS REPETITIVOS. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE, COM OU SEM O USO DE ARMA DE FOGO.
II. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO PELA VIA DA JURISDIÇÃO, COM APOIO PROCESSUAL EM QUALQUER MEIO PROBATÓRIO MORALMENTE LEGÍTIMO, APÓS O ADVENTO DA LEI 9.032/1995, QUE ABOLIU A PRÉ-CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O EFEITO DE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE NOCIVIDADE OU RISCO À SAÚDE DO TRABALHADOR, EM FACE DA ATIVIDADE LABORAL. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991.
III. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, DADA A INESGOTABILIDADE REAL DA RELAÇÃO DESSES FATORES. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS NA REGRA POSITIVA ENUNCIATIVA. REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA NOCIVIDADE. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE A FATORES DE RISCO (ART. 57, § 3º, DA LEI 8.213/1991).
IV. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE NEGA PROVIMENTO, EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. É certo que no período de vigência dos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979 a especialidade da atividade se dava por presunção legal, de modo que bastava a informação acerca da profissão do Segurado para lhe assegurar a contagem de tempo diferenciada. Contudo, mesmo em tal período se admitia o reconhecimento de atividade especial em razão de outras profissões não previstas nestes decretos, exigindo-se, nessas hipóteses provas cabais de que a atividade nociva era exercida com a exposição aos agentes nocivos ali descritos.
2. Neste cenário, até a edição da Lei 9.032/1995, nos termos dos Decretos 53.080/1979 e 83.080/1979, admite-se que a atividade de Vigilante, com ou sem arma de fogo, seja considerada especial, por equiparação à de Guarda.
3. A partir da vigência da Lei 9.032/1995, o legislador suprimiu a possibilidade de reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de Vigilante. Contudo, deve-se entender que a vedação do reconhecimento por enquadramento legal não impede a comprovação da especialidade por outros meios de prova. Aliás, se fosse proclamada tal vedação, se estaria impedindo os julgadores de proferir julgamentos e, na verdade, implantando na jurisdição a rotina burocrática de apenas reproduzir com fidelidade o que a regra positiva contivesse. Isso liquidaria a jurisdição previdenciária e impediria, definitivamente, as avaliações judiciais sobre a justiça do caso concreto.
4. Desse modo, admite-se o reconhecimento da atividade especial de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995, desde que apresentadas provas da permanente exposição do Trabalhador à atividade nociva, independentemente do uso de arma de fogo ou não.
5. Com o advento do Decreto 2.172/1997, a aposentadoria especial sofre nova alteração, pois o novo texto não mais enumera ocupações, passando a listar apenas os agentes considerados nocivos ao Trabalhador, e os agentes assim considerados seriam, tão-somente, aqueles classificados como químicos, físicos ou biológicos. Não traz o texto qualquer referência a atividades perigosas, o que à primeira vista, poderia ao entendimento de que está excluída da legislação a aposentadoria especial pela via da periculosidade. Essa conclusão, porém, seria a negação da realidade e dos perigos da vida, por se fundar na crença - nunca confirmada - de que as regras escritas podem mudar o mundo e as vicissitudes do trabalho, os infortúnios e os acidentes, podem ser controlados pelos enunciados normativos.
6. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura, de modo expresso, o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, dando impulso aos termos dos arts. 201, § 1º, e 202, II, da Constituição Federal. A interpretação da Lei Previdenciária não pode fugir dessas diretrizes constitucionais, sob pena de eliminar do Direito Previdenciário o que ele tem de específico, próprio e típico, que é a primazia dos Direitos Humanos e a garantia jurídica dos bens da vida digna, como inalienáveis Direitos Fundamentais.
7. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que eles - os agentes perigosos - tenham sido banidos das relações de trabalho, da vida laboral ou que a sua eficácia agressiva da saúde do Trabalhador tenha sido eliminada. Também não se pode intuir que não seja mais possível o reconhecimento judicial da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico-constitucional, hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física e à saúde do Trabalhador.
8. Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento do 1.306.113/SC, da lavra do Eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, em regime repetitivo, fixou a orientação de que a despeito da supressão do agente nocivo eletricidade, pelo Decreto 2.172/1997, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso, desde que comprovada a exposição do Trabalhador de forma permanente, não ocasional, nem intermitente. Esse julgamento deu amplitude e efetividade à função de julgar e a entendeu como apta a dispensar proteções e garantias, máxime nos casos em que a legislação alheou-se às poderosas e invencíveis realidades da vida.
9. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a possibilidade de caracterização da atividade de Vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo, mesmo após a edição do Decreto 2.172/1997, desde que comprovada a exposição do Trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional, nem intermitente, com a devida e oportuna comprovação do risco à integridade física do Trabalhador.
10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.
11. Deve-se compreender que a profissão de Vigilante expõe, intuitivamente, o Trabalhador a riscos, nocividades, perigos, danos físicos e emocionais de não pequena monta, que frequentemente se manifestam na proximidade da velhice sob forma de fobias, síndrome de perseguição, neuroses, etc.
12. Não há na realidade das coisas da vida como se separar a noção de nocividade da noção de perigo, ou a noção de nocividade da noção de dano ou lesão, pois tudo isso decorre, inevitavelmente, da exposição da pessoa a fatores inumeráveis, como a ansiedade prolongada, o medo constantes, a inquietação espiritual diante de perseguições e agressões iminentes, etc.
13. Análise do caso concreto: no caso dos autos, o Tribunal reconhece haver comprovação da especialidade da atividade, a partir do conjunto probatório formado nos autos, especialmente, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP e os testemunhos colhidos em juízo. Nesse cenário, não é possível acolher a pretensão do recursal do INSS que defende a impossibilidade de reconhecimento da atividade especial de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995 e do Decreto 2.172/1997.
14. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.” (Doc. 222)
Os embargos declaratórios opostos pelo segurado foram desprovidos (Doc. 259) e aqueles opostos pelo Instituto de Estudos Previdenciários - IEPREV, que atuou no feito como amicus curiae, foram acolhidos sem efeitos modificativos, nos termos seguintes:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE DA ATIVIDADE DE VIGILANTE, MESMO APÓS EC 103/2019. EFEITO INTEGRATIVO. ACRÉSCIMO NA REDAÇÃO DA TESE FIXADA NO ITEM 10 DO ACÓRDÃO EMBARGADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO INSTITUTO DE ESTUDOS PREVIDENCIÁRIOS ACOLHIDOS, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS.
1. Embargos de declaração alegando omissão e contradição, já que não constou na ementa do acórdão a possibilidade da consideração da especialidade da atividade de vigilante mesmo após a EC 103/2019.
2. Os embargos declaratórios não apresentam vícios formais, foram opostos dentro do prazo e cogitam, objetivamente, de matéria própria dessa espécie recursal (arts. 1.022 e 1.023 do CPC/2015). Nada há, enfim, que impeça o seu conhecimento.
3. Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração são modalidade recursal de integração e objetivam sanar obscuridade, contradição, omissão ou erro material, de maneira a permitir o exato conhecimento do teor do julgado.
4. Com razão a parte embargante, isso porque ficou consignado no voto-vista da eminente Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, que em que pese a atual redação do art. 201, § 1º, II, da Constituição Federal, dada pela EC 103/2019, a matéria relativa à aposentadoria especial, na forma da EC 103/2019, não é auto-executável, estando a depender de lei complementar regulamentadora, de tal sorte que subsiste a legislação infraconstitucional, que prevê, no art. 57 da Lei 8.213/91, aposentadoria especial pelo trabalho em condições que prejudiquem a integridade física, bem como no seu § 4º queo segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício’ (fls. 638/639).
5. A Primeira Seção deste egrégio Superior Tribunal de Justiça, em conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conheceu parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos da reformulação de voto do Ministro Relator, o então eminente Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, que aderiu às sugestões conferidas pelo voto-vista da Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, o qual foi acatado em sua integralidade por todos os Ministros da Primeira Seção (fls. 610/613).
6. Diante da importância da matéria e para evitar questionamentos futuros, o item 10 da ementa do acórdão embargado passa a contar com a seguinte redação:
10. Firma-se a seguinte tese: é possível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, mesmo após EC 103/2019, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.’
7. Embargos de declaração do Instituto de Estudo Previdenciário acolhidos, sem efeitos modificativos.” (Doc. 258, p. 1-2, grifos no original)
Nas razões do apelo extremo, a parte recorrente sustenta preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 201 1, § 1ºº, e 202 2, II, da Constituição Federal l (Doc. 237). Aduz que a questão transcende o interesse jurídico das partes e possui repercussão geral sob o ponto de vista econômico, visto que, “conforme a conclusão da Nota Técnica SEI 3/2019, da lavra de órgão do Ministério da Economia, ‘a concessão do benefício de Aposentadoria Especial para vigilantes, independentemente do uso ou não de arma de fogo na atividade laboral, irá gerar impactos significativos pelo lado da despesa ao FRGPS, que pode chegar, em termos reais, a um valor superior a R$ 154 bilhões, diluídos ao longo de um horizonte de tempo de 35 anos, sem considerar a dinâmica de reposição do mercado de trabalho dos vigilantes’”. Ademais, “acaso a tese firmada pelo STJ no Tema Repetitivo 1031 prospere todas as profissões que exerçam atividades de risco reivindicarão ao Poder Judiciário a concessão da aposentadoria especial”. Sob o prisma político, sustenta que “a manutenção e aplicação da tese repetitiva em referência causaria dificuldades intransponíveis à manutenção do pagamento dos benefícios previdenciários em geral, tendo em vista que seria acrescentada nova despesa a uma Previdência Pública já há muito deficitária e que, inclusive, foi objeto de recente reforma legislativa”. No que concerne à relevância social da questão constitucional, afirma que “não se pode subestimar o impacto da demanda por revisão - cuja avaliação possui elevado grau de complexidade - sobre a análise dos demais requerimentos de benefícios nas Agências da Previdência Social de todo o país. Trata-se de demandas concorrentes entre si, que dependem, portanto, do mesmo conjunto de servidores. A consequência óbvia é o aumento do volume de demandas no INSS e, por conseguinte, o represamento de benefícios”.
No mérito, assevera que, “à luz do artigo 201, § 1º, da Constituição, a nocividade por exposição permanente a agentes físicos, químicos ou biológicos nas situações regulamentares é que deve dar ensejo à concessão de aposentadoria especial no RGPS, não se confundindo com as atividades perigosas sem exposição aos citados agentes, a exemplo das atividades descritas nos anexos da NR 16, como ocorre com os vigilantes, dando ensejo apenas à percepção do adicional trabalhista de periculosidade”.
Ressalta que “o Tema Repetitivo STJ/1031 promoveu a concessão de aposentadoria especial a toda uma categoria profissional de vigilantes, com ou sem o manejo de arma de fogo, em razão da periculosidade da profissão, esbarrando no texto do artigo 201, § 1º, da Constituição, quer na redação anterior, quer na redação posterior à Emenda Constitucional 103/2019”.
Pondera que, “mesmo que se entenda que em tese fosse possível a concessão de aposentadoria especial por atividade perigosa no RGPS, a concessão do benefício apenas pelo risco da atividade demandaria a edição de lei complementar, conforme determina o texto do artigo 201, § 1º, da Constituição, que jamais foi editada pelo Congresso Nacional”.
Em contrarrazões, a parte recorrida postula o não conhecimento do recurso extraordinário, em razão de sua intempestividade, da natureza infraconstitucional da matéria em debate e da ausência de repercussão geral da controvérsia. Caso conhecido o recurso, requer seja desprovido (Doc. 272).
O Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça proferiu juízo positivo de admissibilidade do recurso, selecionando-o como representativo da controvérsia, nos termos seguintes:
“Compulsando os autos, verifica-se que o INSS se insurge contra acórdão que, no julgamento de recurso especial representativo de controvérsia, fixou a tese de que ‘é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado’.
Por meio de ofício encaminhado a todos os tribunais, o Supremo Tribunal Federal recomendou que, nos feitos representativos de controvérsia, ainda que se vislumbre questão infraconstitucional, o recurso extraordinário seja admitido de forma a permitir o pronunciamento da Suprema Corte sobre a existência, ou não, de matéria constitucional no caso e, eventualmente, de repercussão geral.
Assim, diante da relevância da matéria debatida e considerando que o aresto recorrido foi proferido sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, entende-se ser o caso de remessa do apelo extremo ao Pretório Excelso, na qualidade de representativo de controvérsia.
Diante do exposto, com fulcro no art. 1.036, § 1º, do Código de Processo Civil, admite-se o presente recurso extraordinário.” (Doc. 276, p. 7)
É o relatório. Passo a me manifestar.
Ab initio, consigno que foram devidamente observados os requisitos de admissibilidade do presente recurso extraordinário. O recurso é tempestivo, a matéria constitucional está devidamente prequestionada, há legitimidade e interesse recursal e a solução da controvérsia prescinde de interpretação da legislação ordinária e de revolvimento do conjunto fático-probatório. Ademais, conforme se observa dos autos, verifico que a questão constitucional impugnada surgiu, originariamente, no julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.
No mérito, cumpre delimitar a questão controvertida nos autos, qual seja: a possibilidade de concessão de aposentadoria especial, pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS, ao vigilante que comprove exposição a atividade nociva com risco à integridade física do segurado, considerando-se o disposto no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal e as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019.
Ressalto, desde logo, que a discussão jurídica versada no presente recurso extraordinário não se confunde com o objeto do Recurso Extraordinário com Agravo 906.569, Relator o Ministro Edson Fachin (Tema 852 da Repercussão Geral), no qual se fixou a seguinte tese de repercussão geral:
A questão da validade do reconhecimento judicial de trabalho em condições especiais, pela efetiva exposição aos agentes nocivos à saúde ou integridade física, para fins de concessão ou revisão de aposentadoria especial ou para converter tempo de serviço, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.213/1991, tem natureza infraconstitucional, e a ela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009.
Neste recurso extraordinário, o tema que se põe para apreciação do Supremo Tribunal Federal transcende o simples juízo acerca da especialidade do labor, este sim dependente do exame do conjunto fático-probatório e da análise da legislação infraconstitucional. Pretende-se, isto sim, a adequada exegese do artigo 201, § 1º, da Constituição Federal e das modificações posteriores levadas a efeito pela Emenda Constitucional 103/2019, especificamente quanto à possibilidade de expansão de critérios e requisitos diferenciados para atividades em condições especiais. No caso sub examine, discute-se o afastamento da especialidade da atividade de vigilante, pela inexistência de previsão constitucional para a aposentadoria especial por exposição a agentes perigosos. Por oportuno, transcrevo trecho do voto condutor do acórdão recorrido, in verbis:
20. Não se desconhece que a periculosidade não está mais expressamente prevista nos Decretos 2.172/1997 e 3.048/1999, não há qualquer menção ao item periculosidade e, menos ainda, ao uso de arma de fogo, o que à primeira vista levaria ao entendimento de que está excluída da legislação a aposentadoria especial pela via da periculosidade.
21. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, em harmonia com o texto dos arts. 201, § 1º, e 202, II, da Constituição Federal.
22. Vale aqui lembrar que na recente reforma previdenciária ocorrida em 2019, o texto original da PEC 6/2019, mais uma vez tentava extirpar a possibilidade de reconhecimento da atividade especial em razão da periculosidade, contudo, o texto foi suprimido pouco antes da votação final da EC 103/2019, tornando possível o reconhecimento da especialidade por fatores a serem definidos por lei, o que torna ainda possível o reconhecimento da especialidade decorrente da submissão a situações e/ou elementos perigosos.
23. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que não seja mais possível o reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico, hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física do Trabalhador. Como bem alerta o Professor Carlos Domingos, os trabalhos realizados sob condições perigosas reclamam uma proteção ainda mais destacada que aqueles desenvolvidos em ambiente insalutífero, pois o risco, quando ocorre (sinistro), costuma ter efeitos devastadores ao segurado na grande maioria dos casos e sua proteção tem o viés de resguardar o maior bem existente - a vida do trabalhador (Aposentadoria Especial no Regime Geral de Previdência Social, São Paulo: LuJur, 2020, p. 224).” (Doc. 223, p. 10-11)
Da leitura do acórdão recorrido, depreende-se que a interpretação do artigo 201 1, § 1ºº, da Constituição Federal l, realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, pode ser aplicada para toda e qualquer atividade considerada ordinariamente como de risco, não apenas à de vigilantes, entendimento passível de acarretar graves consequências econômicas para o sistema previdenciário nacional. Essa constatação reforça a conclusão de que o tema em exame não se restringe à análise de regras infraconstitucionais específicas para a obtenção de aposentadoria especial, mas sim a preceitos constitucionais inerentes à concessão de critérios diferenciados, quando comprovada atividade periculosa.
Com efeito, a matéria aqui suscitada possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral, competindo a esta Suprema Corte decidir – à luz do artigo 201, § 1º, da Constituição Federal – sobre a compatibilidade constitucional da decisão que admita o reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da Emenda Constitucional 103/2019.
Ademais, como realçado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, nas razões do recurso extraordinário, estima-se que, apenas em relação aos vigilantes, a manutenção da Tese 1031 do STJ pode levar a impacto orçamentário “superior a R$ 154 bilhões, diluídos ao longo de um horizonte de tempo de 35 anos, sem considerar a dinâmica de reposição do mercado de trabalho dos vigilantes” (Doc. 237, p. 13).
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese sobre ponto relevante da Reforma da Previdência de 2019. De fato, ao garantir o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, “mesmo após EC 103/2019”, desde que comprovada a “permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado”, aquela Corte Superior concluiu pela subsistência do artigo 57 da Lei 8.213/1991, ante a ausência de lei complementar regulamentadora do atual artigo 201, § 1º, II, da Constituição Federal.
Por outro lado, não se desconsidera que o exercício de atividades capazes de resultar em prejuízos não somente à integridade física, como também psicológica do indivíduo, pode gerar consequências que perdurem por toda a vida daquele submetido a esses riscos, os quais são, em tese, compensados mediante a concessão de aposentadoria especial, com requisitos diferenciados dos exigíveis aos demais segurados da Previdência Social.
A matéria sub examine alinha-se, portanto, com os seguintes objetivos de desenvolvimento sustentáveis da Agenda 2030 das Nações Unidas: promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos (ODS 8) e promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis (ODS 16).
Destarte, a vexata quaestio transcende os limites subjetivos da causa, porquanto o tema em apreço sobressai do ponto de vista constitucional (artigo 201, § 1º, da Constituição Federal, antes e após a edição da Emenda Constitucional 103/2019), notadamente quanto à necessidade de se conferir balizas adequadas acerca da concessão de aposentadoria especial com fundamento na periculosidade da atividade de vigilante, ainda que não sujeito à efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou à associação desses agentes.
Demais disso, a temática revela potencial impacto em outros casos, tendo em vista a expressividade do julgamento da presente causa pelo regime dos recursos especiais repetitivos. Ademais, o Instituto Nacional do Seguro Social informa, por meio da Petição STF 12737/2022, que “mesmo após o julgamento do tema pelo STJ em sede de repetitivos, mais de 4000 (quatro mil recursos) forma manejados pelo INSS no intervalo de pouco mais de um ano (2021 e dois primeiros meses de 2022), com destaque para 2.107 recursos extraordinários” (Doc. 282, p. 11).
Configura-se, assim, a relevância da matéria sob as perspectivas social, econômica e jurídica (artigo 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil), bem como a transcendência da questão cuja repercussão geral ora se submete ao escrutínio desta Suprema Corte. Nesse sentido, tenho que a controvérsia constitucional em apreço ultrapassa os interesses das partes, avultando-se relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico.
A relevância da questão, ademais, é exaltada pelo procedimento ocorrido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça de submissão do processo ao rito qualificado dos recursos repetitivos. É que, com a afetação e julgamento do tema repetitivo, transcorreram importantes etapas de formação do precedente, as quais foram antecedidas de determinação de suspensão nacional de processos.
Nesse sentido, há a indicação na decisão do Vice-Presidente do STJ de que a admissão se deu com fundamento no art. 1.036, § 1º, cuja dicção estabelece a suspensão do trâmite de processos no Estado ou na região, representando, na presente hipótese, que a suspensão anteriormente determinada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça fora mantida pelo Vice-Presidente. Esse é um ponto importante a se destacar no modelo brasileiro de precedentes em que a decisão final de questões repetitivas exige dos julgadores a análise do impacto que seus pronunciamentos podem causar. A própria Vice-Presidência do STJ já atuou nesse sentido ao determinar expressamente a manutenção do sobrestamento nacional de processos em casos repetitivos em que houve a interposição de recurso extraordinário, como se observa nos Temas Repetitivos 999 e 1.014/STJ.
No caso em apreço, é certo que o Instituto Nacional do Seguro Social continuará impugnando eventuais decisões proferidas em processos que voltem a tramitar para aplicação do Tema Repetitivo 1.031/STJ, no aguardo da definição a ser conferida pela Suprema Corte, ampliando procedimentos desnecessários na tramitação de processos que, invariavelmente, ficarão sobrestados no âmbito das presidências ou vice-presidências dos tribunais de origem.
Assim, com esses fundamentos e diante da natureza e abrangência da questão a ser resolvida nestes autos, faz-se mister adotar o procedimento do artigo 1.037, II, do Código de Processo Civil de 2015, e suspender todos os processos, individuais ou coletivos, em trâmite no território nacional que tratem dessa mesma matéria, independentemente do estado em que se encontram, a fim de preservar a segurança jurídica, a estabilização da jurisprudência, a isonomia e a economia processual.
Ex positis, nos termos dos artigos 323 e 326-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, manifesto-me pela EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO SUSCITADA e submeto o tema à apreciação dos demais Ministros da Corte.
Por fim, com fundamento nos artigos 1.035, § 5º, e 1.037, II, do Código de Processo Civil de 2015, DETERMINO a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, independentemente do estado em que se encontram, que versem sobre a questão tratada nestes autos e tramitem no território nacional, sem prejuízo da avaliação, com consequente manutenção ou suspensão dessa medida, pelo Ministro Relator a ser sorteado posteriormente.
Brasília, 25 de março de 2022.
Ministro LUIZ FUX
Presidente

______________________________________________________

Fonte: http://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=9838884

http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6344761






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Artigoshá 3 anos

Como ficou a Aposentadoria de Vigilantes /Vigia após a aprovação do Tema 1031 do STJ

Petição - Ação Aposentadoria Especial (Art. 57/8)

Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Jurisprudênciahá 4 meses

Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX-54.2021.4.03.9999 SP

Alessandra Strazzi, Advogado
Artigoshá 2 anos

Foi aprovado aposentadoria especial para vigilantes? Andamento do Tema no STF e STJ

4 Comentários

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Excelentíssimo senhor ministro juiz eu falo em nome de toda classe de vigilante em nome do senhor Jesus der um parecer um resultado final porque classe não aguenta mais sofrer eu e toda classe já tem muito tempo esperando já a segunda vez que todos os processos ficam parado o meu já tem mais de cinco anos eu dei minha vida inteira correndo risco trabalhado armado comecei no ano de 1988 já vou comprar 35 ano de carteira já formei uma família eu não aguento mais mim encontro trabalhando graça adeus e os outro companheiro porcos trabalhar e os outro não por causa idade eu faço um apelo em nome de toda classe de vigilante não preço só pra mim até porque não sou orgulhoso que deus abençoe todos os ministro gue vam jugar gue deus der sabedoria para jugar o tão esperado tema 1209 que o INSS trabalhe com mais consiencia esse e meu sicerio apelo em nome de toda classe trabalhadora de vigilante que corre risco para defender o o patrimônio obrigado continuar lendo

Boa noite Dotor Denis fico muito grato que deus abençoe toda classe de vigilante agradece fico muito feliz pelo ato nobre da sua pessoa .estamos confiável abraço . continuar lendo

Tive causa ganha na categoria especial como vigilante mas em outubro foi suspenso, qual o prazo para ser visto o meus direitos? continuar lendo

Tema 1209 tem ser julgado logo muito vigilante já tem 25 anos profissão esperando tema aposentar Nunes Marques devolver processo julgado seja mérito do vigilante e fácil tema e julgar direito ou não aposentadoria. Seja vontade do senhores ministros faço coisa certa .por mesericorda dessa classe tão sofrida. continuar lendo